Desde muito jovem ouço todo tipo de ditado popular, porém um que comecei a ouvir com mais frequência que outros era que o tempo é dinheiro. Concordo com a frase, mas parcialmente. O tempo não é um pedaço de papel, muito menos algo tão sólido quanto o aço das moedas. Há muitos anos, esse termo não existia, e no lugar de objetos que possuíam valores fixos, faziam trocas entre objetos que acreditavam ter o mesmo valor que o que almejavam, esta ação era chamada escambo.
Transferir nossos sentimentos aos outros é uma atitude questionável, mas acredito que, pelo menos alguma vez já tentamos preencher um vazio com coisas materiais; seja uma roupa, um celular, etc. Na hora, até pode ter aliviado um pouco, mas logo aquela sensação volta, porque fomos ensinados tanto que devemos ter algo, que esquecemos de ser. Não é sobre ter um diploma ou um título, é sobre exercer o que você faz com amor. Infelizmente, nosso corpo pode até ser um templo, mas não vai ser preenchido com objetos como tal.
Certa noite, voltando para meu apartamento, um jovem me abordou.
Seus cabelos cacheados e escuros combinavam com sua roupa; ele parecia levemente alterado, portanto fingi não ter ouvido. Recém chegado na cidade grande, temia inclusive minha penumbra. Ele não parecia ser muito mais velho que eu, então quando ele me chamou mais uma vez, decidi atendê-lo. Talvez ele só quisesse saber as horas.
— Que estilo da hora, meu! —, comentou, no mais caricato sotaque paulistano. O mais incrível é que eu não vestia nada demais.
— Obrigado. —, agradeci, já voltando a caminhar, e sorrindo de canto.
— Peraí, cara, vamo jogar jan-ken-po! —, o garoto parecia animado, já colocando sua mão em frente da outra. Essa brincadeira também é conhecida como “pedra, papel e tesoura”.
Eu havia achado aquele convite deveras estranho, na verdade, ainda acho, mas ao menos vejo sentido, hoje em dia.
— Pô, cara, nem vai rolar. Tô sem tempo; tenho que ir pra casa. —, tentei desviar do desconhecido. — Além do mais, eu sou azarado. Vou perder. —, continuei, tentando me justificar.
— Sabe, às vezes, o azar é uma coisa boa! Jan-ken-po! —, o garoto ignorou minhas esquivas e foi direto ao ponto, fazendo os movimentos. Como ele já havia começado a jogar, decidi que alguns segundos não fariam diferença, e devolvi. Ele ganhou a primeira rodada.
— Eu avisei, tenho azar. —, ri e ele balançou a cabeça em negação.
— Nada disso, ainda tem mais rodadas.
Na segunda, eu acabei ganhando e ele sorriu para mim.
— Agora a gente tem que desempatar!
— Haha, sim! —, honestamente, eu fiquei animado com aquela rodada.
— Jan-ken-po! —, ele disse, pela última vez, a qual eu ganhei novamente. — Viu? Você ganhou! Se isso é ser azarado, já pensou se tivesse sorte? —, o anônimo sorriu mais uma vez e me puxou para perto, dando um aperto de mão.
Por algum motivo, eu fiquei feliz com o resultado inesperado daquela interação que eu queria ter evitado.
— Agora eu te libero! Pode ir, boa noite!
— Boa noite.
Nos despedimos, e apesar da calçada do prédio ter vários comércios bem frequentados por jovens, nunca mais vi aquele menino, mas sei que jamais vou esquecê-lo, e agora eternizá-lo em um texto, para que outras pessoas também o conheçam.
Mas por que eu vim relatar isso tudo para vocês? Me perguntam.
Basicamente, o tempo não é palpável. Ele pode ser sentido e visto, como os ponteiros dos relógios ou nas rugas que vemos aparecer, aos poucos, em nosso rosto, mas não podemos pará-lo ou retornar à momentos que já passaram. O acaso é inevitável, e tentar evitá-lo é, sim, perda de tempo. Podemos fazer cronogramas, mas o tempo sempre vai se encarregar de dizer para onde ir e o quê fazer.
Eu não sei o que teria acontecido se eu tivesse simplesmente ignorado o garoto, mas certamente foi um momento divertido onde dei meu tempo em troca de uma experiência que jamais saberei explicar o que motivou ele a fazer o que fez, e essa é a graça da vida.
Não somos apenas a nossa casca, mas os lugares que frequentamos, as pessoas que conhecemos; uma constante inconstância, que jamais permanecem as mesmas. O hoje é o ontem de amanhã. A experiência, o momento que compartilhamos com os outros, esse sim é o dinheiro, ou melhor dizendo, o escambo.